Derrota do governo Lula na pauta ambiental é recado claro de que ainda há quem se recuse a sair de cena

 Derrota do governo Lula na pauta ambiental é recado claro de que ainda há quem se recuse a sair de cena

Foto: Douglas Magno/AFP

 

O silêncio quase que sepulcral de Lula (PT) após amargar derrotas significativas do seu governo no que diz respeito, entre outras coisas, à pauta ambiental e à defesa dos povos indígenas, tomou notas ensurdecedoras. Talvez esse tenha sido um recado muito claro de que antigos atores políticos ainda se recusam a sair de cena, o que é deveras preocupante especialmente para aqueles eleitores que compraram ingressos, nas últimas eleições, aguardando ansiosamente um espetáculo de mudanças expressivas no horizonte de eventos ambientais.

Que me perdoem os Racionais MC’s, quando cantaram aquele trecho: “quem não é visto, não é lembrado”. É que, na política, quem é visto é lembrado; quem sai de cena, precisa a todo instante ficar puxando pela memória “o quão bom era o enredo de antes”, para que, dessa maneira, possa ser contratado outras vezes para se apresentar país afora. E é aqui que especialmente a ‘bancada BB’ – da ‘bala’ e do ‘boi’ – posiciona-se no xadrez político e reafirma a sua estratégia que é a de jamais deixar uma tal memória se perder – se é que me entendem.

As movimentações da Câmara na última quarta-feira, 24, que tiveram como finalidade afrouxar leis e esvaziar órgãos ambientais, levaram dor de cabeça não somente a Lula, mas à Marina Silva (Rede) e Sônia Guajajara (PSOL) também. Certamente ambas devem ter acordado na manhã desta quinta-feira, 25, ainda com um gosto amargo nas ideias causado pelo silenciamento quase que constrangedor do mandatário petista.

Guajajara, aliás, não esperou muito tempo para demonstrar seu descontentamento perante os fatos recentes. Em entrevista à AFP, declarou o que pensa sobre tudo isso. “Um grande retrocesso, é tirar os povos indígenas do protagonismo e vai totalmente na contramão do que o presidente Lula está defendendo que é reconhecer, valorizar e garantir a participação dos povos indígenas também nos espaços de tomada de decisão”, disse a ministra dos Povos Indígenas.

Marina Silva, por sua vez, também não aguardou muito para fazer o alerta em suas redes sociais: “Qualquer tentativa de desmontar o sistema nacional de meio ambiente brasileiro é um desserviço à sociedade brasileira, ao Estado brasileiro. Isso pode criar gravíssimos prejuízos aos interesses econômicos, sociais e ambientais”, declarou.

 

Sônia Guajajara se diz frustrada com falta de posicionamento de Lula após mudança em demarcações. (Foto: Reprodução)

A pílula de autocrítica quem deve tomar é Lula, deve-se dizer, e não Marina Silva ou Sônia Guajajara. O papel delas nisso tudo está sendo o de apontar o dedo para o que consideram retrocesso e falar para o petista muito objetivamente: “olha, o senhor está errado”. É que, na política, permite-se muito, mas não tudo. Deve ser por esta via que ambas caminham numa mesma direção, mas que não parecem ser a mesma de Lula, que aparenta preferir investir seu tempo e sua atenção em fortalecer o ‘centrão’ a fim de não criar rusgas que possam, a qualquer momento no futuro, colocar em risco sua governabilidade.

Lula, até o momento, não deu uma declaração sequer sobre o assunto da vez, que é a crise ambiental. Em contrapartida, preferiu assinar um artigo para o Estadão, juntamente com seu vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), enaltecendo os benefícios do que chamam de “neoindustrialização”, além de promover um evento para anunciar corte de impostos para carros populares novos. Em termos muito populares, parece que Lula está “dando uma de louco” para evitar que os holofotes se virem contra si. Também agiu assim, se fazendo de desentendido ou talvez ‘pombinho da paz’, no caso da disputa entre o Ibama e a Petrobras sobre a pesquisa de petróleo na margem equatorial, que vai da Foz do Amazonas, no Amapá, até o Rio Grande do Norte.

Passou batido para Lula, até mesmo, a fala ácida e ameaçadora do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que basicamente disse: “quem manda aqui sou eu”. “O Congresso está dando todas as oportunidades para o governo se estruturar de uma maneira racional. Todos têm que entender que o Congresso brasileiro conquistou maior protagonismo […] sem ferir a harmonia constitucional, nem poder nenhum. É importante que o governo entenda que tem que participar do processo de discussão como participou o ministro Haddad”, disse Lira. Tudo bem que Lira estava falando sobre a aprovação do novo arcabouço fiscal; mas, na política, nada é qualquer coisa e tudo que é manifestado tem um motivo. Para o bem, ou para o mal.

Certamente Lula sabe disto que vou dizer, mas vale lembrar aos leitores(as). Iniciei o artigo falando a respeito daqueles que compraram ingressos esperando um espetáculo ambientalista, mas agora se deparam com um banho de água fria em nome da governabilidade, ainda que ela custe o preço de mais alguns milhares hectares destruídos pelo agro ou cadáveres indígenas amontoados, vítimas daqueles que ganham votos em cima disso e/ou enriquecem através da morte. É certo que uma boa parte dos espectadores comuns, neste momento, esteja se dirigindo à bilheteria para exigir reembolso diante de tamanha frustração. E isso é péssimo para o petista, para dizer o mínimo.

Também existe o setor VIP neste teatro, em que se sentam nomes importantes a nível internacional e que podem, a qualquer momento, pedirem reembolso caso não se sintam representados, ou caso não compreendam muito bem a tom ‘bipolar’ e as disparidades entre a fala e as ações de Lula. Se isso acontecer, é certo que o plano do petista de recolocar o Brasil no mundo cai por terra e forçará o presidente a buscar novas formas de equilibrar a balança da articulação, colocando outras pautas e pastas, na reta. Em termos gerais, vai buscar reinventar a sinopse no meio do espetáculo, o que é a fórmula perfeita para fracasso.

A previsão do tempo para o governo Lula não é nada boa. Não é simplesmente um tempo nublado como qualquer outro; corriqueiro, passageiro. Assemelha-se mais às características trágicas do fatídico 19 de agosto de 2019, em que São Paulo foi assombrada com uma escuridão atípica, além de uma espécie de ‘chuva negra’ repleta de poluentes, já no meio da tarde, como se alguém tivesse desligado o sol e lançado trevas. Mas não havia nada de misticismo naquilo. Eram as lágrimas da Amazônia, que ardia em chamas e implorava por socorro naquele momento, que se fizeram visíveis aos olhos de todos nós.

 

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