quinta-feira, novembro 21, 2024
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Até quando vamos varrer para debaixo do tapete os problemas crônicos ocorridos em nossas escolas?

 

Amigas e amigos, a história, tragicamente, se repete. Na  manhã desta segunda-feira, 27, um aluno do 8º ano da E.E. Thomazia Montoro, localizada no bairro da Vila Sônia, zona oeste de São Paulo, matou a facadas uma professora e deixou cinco pessoas feridas. A coisa só não foi pior pois o estudante foi imobilizado por uma professora com um mata-leão, de acordo com testemunhas. Ao que tudo indica, o crime foi planejado.

Em matéria publicada pelo G1, um aluno da E.E. Thomazia Montoro, identificado como Gabriel, narrou o que aconteceu antes do desfecho trágico de hoje. “Foi assim: chamou o menino de preto e macaco. O outro menino (vítima de racismo) não gostou e partiu para cima dele. A professora ‘Beth’ separou. Aí hoje esse menino que chamou o outro de macaco veio com com uma faca e esfaqueou várias vezes a professora aqui e aqui (disse ele tocando na cabeça). Ele já falou que iria fazer isso, mas ninguém acreditava. Ele estava atrás de mim tentando me matar. Na hora, eu corri e me escondi ali atrás e fiquei cerca de uns 40 ou 60 minutos esperando a polícia chegar”, disse o garoto de 13 anos.

É importante dizer que, durante os últimos 10 anos, o Brasil registrou ao menos oito ataques violentos em escolas. Quem se lembra do ataque na E.E. Professor Raul Brasil, em Suzano (SP)? Quem se lembra do atirador de Medianeira, no interior do Paraná? E sobre o triste caso de Realengo, no Rio de Janeiro? Segundo relatório apresentado durante os trabalhos de transição do governo federal, 35 estudantes e professores tinham sido mortos em ataques a escolas no Brasil desde o início dos anos 2000. Vejam só, esses não são casos isolados, e sim situações dramáticas que aconteceram no passado, se repetiram agora e estarão presentes no futuro, caso três pilares fundamentais continuem a não se conversar: Estado, família e escola.

No entanto, quem pode fazer essa interlocução entre estes três pilares – Estado, família e escola? Ora essa, se não a Psicologia e a Assistência Social, então quem poderia ser? Em minha particular visão, é de extrema urgência que profissionais psicólogos e assistentes sociais se façam presentes dentro da rotina escolar e fora também, acompanhando caso a caso. É necessário reforçar a presença e a participação destes profissionais de uma vez por todas, a fim de se combater, deveras, o problema. E não falo somente de um profissional não, mas de quantos seriam necessários para atender a alta demanda.

Ainda que a Polícia Civil venha a esclarecer melhor o que aconteceu no crime da Vila Sônia, é preciso destacar que casos de bullying, por exemplo, fazem parte da rotina de muitos estudantes; seja aquele cometido contra ou praticado por. Aliás, vivi isso de perto e sofri na pele o bullying, tanto em colégio particular, quanto público. Em ambos, estava lá a violência, a exclusão, a perseguição, o abuso, a divisão, o preconceito, a rejeição. Eram ambientes que favoreciam todo um clima pesado e propício para o desconcerto, para a desarmonia. De lá pra cá, pouca coisa mudou e muito continuou a ser varrido para debaixo do tapete como ‘solução’.

Até quando vamos insistir nessa fórmula mais do que fracassada?

 

A professora Elisabeth Tenreiro, de 71 anos, foi atingida e acabou morrendo, após ataque na E.E. Thomazia Montoro. (Fotos: Reprodução/Google Street View)

Reafirmo. Psicólogos e assistentes sociais seriam aqueles profissionais aptos a identificar e agir na raiz do problema, evitando-se, assim, novos episódios dramáticos nas escolas. Não que isto deva evitar todos os casos, mas, ao menos, se previne. Quem são essas crianças? Qual é a estrutura familiar? Em que comunidade elas estão inseridas? Saúde mental não é brincadeira, muito menos a saúde mental de crianças e adolescentes que, em inúmeras circunstâncias, não possuem condições financeiras e sociais para serem assistidos por psicólogos.

Após o ataque desta segunda-feira, os secretários de Educação e Segurança Pública do Estado de São Paulo, Renato Feder e Guilherme Derrite, respectivamente, em entrevista coletiva reafirmaram que o governo irá contratar psicólogos e psicopedagogos. “Independente da tristeza de hoje, já está no crononograma a contratação de 150 mil horas de atendimento de psicólogos e psicopedagogos para as escolas. O processo está na cotação de preços e mais algumas semanas a gente vai fazer essa licitação para o atendimento presencial nas escolas”, disse o secretário de Educação. “Vamos ampliar de 500 para 5 mil profissionais dedicados ao Conviva, um por escola, para que a gente consiga estar mais presente nas escolas”, concluiu.

Basta saber se, com o passar do tempo, isso ficará apenas no gogó, ou se realmente a escola será pensada como um ambiente de paz e de ensino, e não de violência e de mero ‘depósito’ de seres humanos. Pois é disso também que se trata.

Ambiente escolar que afasta, não está acolhendo. Política efetiva que não chega à sala de aula, corrobora para que crimes sejam perpetuados. Crianças e adolescentes que não conseguem se inserir dentro do ambiente escolar, por inúmeros motivos, encontram respaldo em fóruns de internet que, além de acolher rapidamente, ainda incentivam que a vítimas de bullying respondam à violência com mais violência. E não sou eu que estou dizendo isso, os casos estão aí. Existem diversos ‘chans’ – nome atribuído a fóruns anônimos de internet – que disseminam ideias nazistas, discursos de ódio etc. Aliás, no próprio celular do estudante autor do crime foram encontradas informações de ataques ocorridos em outras escolas do país, além de uma postagem, feita em uma conta fechada no Twitter, anunciando que cometeria o ataque.

Queridas, queridos… A normalização do discurso de ódio não chegou agora às salas de aula. Não é nenhuma novidade. Isso sempre esteve aí, e digo mais: nunca esteve mais em alta quanto no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A eliminação do outro se tornou algo acessível, ‘normal’, possível de ser debatido com ‘naturalidade’ e acreditado como solução ‘eficaz’. Estou mentindo? Não foi o próprio Bolsonaro que vetou integralmente o atendimento de psicólogos e assistentes sociais nas escolas públicas (PL 3688/00)? O que ele queria com esse veto?

Por fim, ignorem quem estiver pedindo, entre outros absurdos, que docentes e funcionários andem armados dentro da dependências das escolas, a fim de se evitar novos ataques. E não é brincadeira; tem quem queira isso mesmo. Existem influenciadores por aí ainda mais alucinados, que insistem que seria necessário armar não somente os docentes e funcionários, como também as próprias crianças e adolescentes. Imaginem só, crianças indo às escolas para terem aulas sobre manuseio de armas e portarem o objeto em sala de aula. Acreditem se quiser, o nível do debate chegou a esse nível de estupidez.

Enquanto ninguém se conversa, vão ficando para trás as vítimas de um problema crônico vivido e presenciado, infelizmente, nas escolas do nosso país.

Algo está muito errado.

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