Glória Maria foi a mulher negra que rompeu o racismo e expandiu o jornalismo brasileiro para pretos e pardos

 Glória Maria foi a mulher negra que rompeu o racismo e expandiu o jornalismo brasileiro para pretos e pardos

Foto: TV Globo/Ramón Vasconcelos

 

Amigas e amigos, nesta quarta-feira, 02, o Brasil se despediu de um verdadeiro ícone do jornalismo do país. Glória Maria se foi, aos 73 anos, vítima de um câncer no pulmão com metástase cerebral. Glória pode ser reverenciada por muitos feitos, porém, dentre tantos, para mim, um se destaca: ela expandiu os caminhos de pretos e pardos na televisão e no jornalismo brasileiro, e esse legado será eterno, sem dúvida alguma.

É importante lembrar que até a década de 1970 não era comum a presença de pessoas negras na televisão, tampouco repórteres eram vistos dentro da programação. Deve-se dizer que, ainda hoje, é muito difícil encontrar pretos e pardos dentro das redações país afora, mas é notável que isso vem mudando, e mudou graças ao pioneirismo de Glória. Foi sua primeira grande reportagem em novembro de 1971, sobre o desabamento do elevado Paulo de Frontin, que marcou para sempre a participação e a importância da população negra dentro da profissão.

Se hoje vemos nomes importantes como, por exemplo, Maju Coutinho, levando profissionalismo e carisma ao nosso jornalismo, muito desse caminho foi pavimentado por Glória. Se temos Zileide Silva, Joyce Ribeiro, Flávia Ribeiro, Valéria Almeida e muitas outras, foi a voz de Glória Maria que inicialmente rompeu as vozes do preconceito e segurou pelas mãos toda uma população vítima da chaga do racismo estrutural e histórico. Sim, ser mulher, preta e jornalista no Brasil sempre foi uma tarefa duplamente difícil. Glória, por sua vez, encarava isso com inteligência e resiliência.

“Nada blinda preto de racismo. Nada! Mulher preta é pior ainda. Nós somos mais abandonadas, mais discriminadas. […] Você tem que aprender a se blindar da dor. Nessa altura da minha vida, eu ainda vou sentir dor pelo racismo do outro? Aí eu estou maluca, né? Não é racismo meu, é do outro. Então, ele que resolva o racismo dele, ele que fique com a dor dele, com a amargura dele. Que se resolva sozinho”, disse a jornalista durante o programa Roda Viva, da TV Cultura.

 

Foto: Divulgação/TV Globo

É sobre isso! O racismo é uma ferida que ainda ousa permanecer aberta em nosso país. É o primeiro e último refúgio dos covardes, um dos lares prediletos dos ignorantes. Mas não é sobre nós, pretos e pardos, e sim sobre aqueles que ainda optam pela amargura racista.

É que quando falamos sobre racismo, ainda nisso reside, em nosso inconsciente, uma das armadilhas de quem quer nos ver por baixo. Geralmente quando pretos e pardos trazem para si essa questão, corre-se o risco desses se colocarem em uma posição de sofrimento, de tristeza, de negação da sua própria existência. Como se isso fosse um problema nosso, e não de quem comete o racismo. Como se a cor da nossa pele fosse algo errado. Como se a nossa vida não valesse muita coisa ou quase nada. Entende a questão?

Também para isso, Glória nos ensinou muito bem como agir. O orgulho de sermos quem somos faz com que a nossa vida seja mais protegida e blindada, mais altiva e equilibrada, sobrando aos racistas apenas a pequenez de suas incompreensões e confusões internas. O sofrimento, a tristeza e a negação da própria existência não são nossos, e sim do outro. Eles é que precisam resolver esse problema com eles mesmos, e não a gente. O que cabe a nós é continuarmos a combater essa chaga do racismo tanto por aqueles que hoje estão aqui conosco, como por todos aqueles que se foram, vítimas da perversidade e do preconceito.

Foi escrevendo isso e refletindo, enquanto tomava o meu café, que percebi que, muito além dos aprendizados acadêmicos sobre a importância de Glória para a profissão, também a sua vida, suas opiniões, sua leveza, seu carisma, seu orgulho, a sua alegria contagiante… Tudo isso e muito mais são fontes inesgotáveis de bons exemplos a serem seguidos.

É… Obrigado por tanto, Glória.

Até.

 

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