quinta-feira, novembro 21, 2024
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Aumento do número de agressões a jornalistas mostra desrespeito pela verdade e preferência pela ignorância

 

Que o Brasil se tornou um país onde a verdade passou a ser desacreditada por aqueles que preferem dar voz às suas próprias teorias, não é novidade para ninguém. No entanto, o Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil, divulgado pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), na quarta-feira, 25, demonstra uma situação ainda pior  do que imaginávamos. Segundo o levantamento, 376 casos de agressões a jornalistas e veículos de comunicação foram registrados apenas em 2022. Isso equivale, em média, a uma agressão por dia. São números que chocam e revelam o cenário turbulento pelo qual um Brasil, que normalizou a violência, enfrenta.

Os casos, dos mais inúmeros, não nos escapam da memória quando paramos para pensar em quantas notícias lemos no decorrer do ano passado relatando truculência e violência contra os profissionais de imprensa. Os ataques, dos mais absurdos tipos, revelam não só a falta de respeito contra pessoas que estão no exercício de sua função, mas também, o desprezo pela verdade quando essa pode desmoronar um castelo de crenças e levar ao choque de uma realidade que até então era julgada única.

A pós-verdade, um termo que costumamos usar no jornalismo com frequência, parece ser só a ponta do iceberg de um Brasil que elegeu jornalistas como os seus principais inimigos. A pós-verdade, para quem não sabe, é quando alguém prefere acreditar no que lhe convém do que naquilo que é fato. Em resumo, é  dar mais voz às crenças pessoais, do que no que é verídico.

O delírio de escolher viver em uma realidade paralela, onde a verdade não importa e as fake news ganharam força, foi a receita perfeita para criar a maior polarização política de um Brasil que até então não ligava, de fato, para a política. O clima de FlaFlu, causado principalmente pelo ex-presidente Jair Messias Bolsonaro (PL), com seus discursos de ódio, foi crucial para alimentar o que nós já percebíamos estar em ascensão: a criminalização da imprensa e todos os profissionais que nela trabalham.

Bolsonaro, historicamente, foi o presidente brasileiro que mais declarou guerra aos jornalistas. A cada pergunta incômoda ou que o deixasse sem saída, lá estava a violência pronta para ser vomitada em palavras de ódio e insultos, no mínimo, absurdos.

 

Jornalista britânico Dominic Mark Phillips, brutalmente assassinado durante o exercício da sua profissão. (Foto: Joao LAET/AFP)

Desde 2018, o Brasil foi somente decaindo no índice de liberdade de expressão da organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF). O ex-presidente, que por vezes defendeu a ditadura em seus discursos, usou a mesma prática adotada naquele tenebroso período onde jornalistas foram perseguidos, calados, violentados e, nos mais terríveis casos, mortos. Bruno e Dom, que foram brutalmente assassinados, ficaram nas páginas da história como prova disso isso que estou falando.

Bolsonaro, apesar de não fazer nada com as próprias mãos, deu aval para que os seus mais radicais seguidores se sentissem livres para praticar. O agravamento da violência ganhou força e o coro contra a liberdade de imprensa se tornou realidade. Os “patriotas”, como eles próprios costumam se chamar, se sentiam e ainda sentem orgulhosos de atacarem jornalistas. Em suas utopias, devem imaginar Bolsonaro entregando uma medalha de honra ao mérito cada vez que esse objetivo é concluído.

Atacar os mensageiros, para que eles sejam desacreditados, foi a forma que o ex-presidente e seus fiéis seguidores encontraram para deslegitimar a imprensa.

“Minha vontade é encher tua boca na porrada”. Violenta e truculenta, essa foi uma das frases proferidas pelo ex-presidente a um repórter do jornal O Globo, que na época questionou o mesmo sobre cheques que teriam sido supostamente depositados na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

É bom esclarecer que esse não foi um caso isolado ou tirado de contexto, como alguns dos seus seguidores gostam de afirmar para tirar a culpa do homem, que na visão deles, foi apenas injustiçado e perseguido por jornalistas.

Vera Magalhães também foi uma de suas vítimas na época do debate presidencial. No dia do lamentável episódio, onde o mesmo afirmou à jornalista que ela era uma vergonha para todo jornalismo brasileiro, após ser questionado sobre algo que não queria responder, a programação era ao vivo e com transmissão para todo o Brasil. Não havia espaço para desculpas, mas mesmo assim, seus seguidores o fizeram em larga escala.

Vera, que era a vítima da situação, foi tratada pelos bolsonaristas radicais como a culpada pela agressão que sofreu. A jornalista, além de ter a violência contra si diminuída, foi xingada em redes sociais e recebeu ameaças de morte contra ela e a sua família.

Fato é que a chaga foi aberta e demorará a ser cicatrizada. Nós, jornalistas, que parecemos viver na profissão perigo, não ficaremos mais seguros com o fim do governo Bolsonaro. A tranca da caixa do discurso de ódio, que tanto é responsável pelo aumento do número de casos de violência contra profissionais da imprensa, não será tão facilmente fechada.

Bolsonaro pode ter saído da presidência, mas o bolsonarismo e suas consequências seguem fortes e vivas. Como defensores do acesso à informação, precisamos estar vigilantes. Na guerra de narrativas que foi criada entre fato e ignorância, eu fico com a verdade.

 

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