O curioso caso dos jogadores que repudiaram Casagrande, mas se calaram sobre Daniel Alves

 O curioso caso dos jogadores que repudiaram Casagrande, mas se calaram sobre Daniel Alves

Foto: Getty Images

 

Queridas e queridos, olhem só que fato curioso e, também, nada surpreendente. O caso Daniel Alves tomou os noticiários nos últimos dias e tivemos uma demonstração de como, no futebol atual, o pau que dá em Chico não necessariamente será dado em Francisco, especialmente se este possuir amigos influentes no meio em que vive. Os mesmos Kaká, Ronaldo e Neymar, que fecharam uma ‘collab’ contra Casagrande durante a última Copa do Mundo, são os mesmos que, desta vez, não se uniram para criticar Daniel Alves e a acusação de estupro que ele carrega nas costas. Ora essa, mas por quê?

Um breve resumo. Durante a Copa do Qatar, o comentarista Carlos Casagrande foi duramente criticado por jogadores e ex-jogadores. Motivo? Suas opiniões, especialmente aquelas que falavam sobre a ostentação do ex-jogador Ronaldo, que levou jogadores para apreciarem uma carne banhada a ouro 24 quilates, avaliada em cerca de R$ 9 mil, além de também criticar as posturas de Tite e as atitudes de Neymar.

Por outro lado, temos o caso Daniel Alves que foi destaque em vários jornais ao redor do mundo. Alves é acusado por uma uma jovem espanhola, de 23 anos, de tê-la estuprado em uma boate em Barcelona, no dia 30 de dezembro de 2022. De acordo com a imprensa da Espanha, câmeras registraram o momento em que ele se tranca com a vítima, no banheiro VIP da balada, por cerca de 15 minutos. O que aconteceu dentro desse banheiro, conforme a vítima disse em seu depoimento, é de uma brutalidade absurda. Assim que conseguiu fugir, a jovem procurou ajuda de amigas e do segurança da boate, que imediatamente acionaram a polícia Catalã. Porém, Alves já havia se ausentado do local.

Por seus relatos conflitantes sobre o caso (ele deu três versões diferentes), além da vítima ter descrito as tatuagens em regiões íntimas no corpo do jogador, a juíza Maria Concepción Canton Martín determinou prisão preventiva, sem direito a fiança. É possível afirmar que essa decisão também foi uma forma encontrada para evitar que um novo caso, como o de Robinho, ocorresse. Em sua decisão, a juíza levou em consideração que Daniel Alves tem poder aquisitivo suficiente para deixar o país quando quiser, gerando uma espécie de ‘risco de fuga’. Outro fato importante é que o Brasil não tem acordo de extradição estabelecido com a Espanha.

Daniel Alves, acusado de estupro por jovem espanhola de 23 anos. (Foto: Josep Lago/AFP)

Ponto a ser mencionado aqui, até para que se evite a popularização daquele senso comum hipócrita – infelizmente ainda muito comum em uma sociedade demasiadamente machista -, de que a jovem “só quer dinheiro”, ou que “só quer 15 minutos de fama”, a própria afirmou à juíza Maria Concepción que rejeita qualquer indenização de Daniel Alves. Em entrevista para o portal UOL, a advogada da vítima, Ester García López, reproduziu as palavras da jovem durante o primeiro contato entre ambas. “Ela me olhou e disse: ‘Ester, eu tenho a sorte de ter boas condições de vida e não quero indenização, quero prisão'”, ao que completou: ‘Se tiver dinheiro de indenização envolvido, eu não vou contratar você'”, disse.

É importante colocar a posição da vítima, pois ainda existe uma espécie de “contrato” entre covardes machistas, que visa, entre outras coisas, a proteção. Dentro desse “contrato”, existem aquelas cláusulas que avalizam a ridicularização da vítima e de quem quer que a defenda, e também uma outra, que dá aval a uma proteção indispensável, inegociável e incondicional, porém silenciosa, aos que cometem abusos. Sim, mesmo o silêncio de alguns ainda diz muito sobre esse tal “contrato” firmado, às cegas ou não. Aliás, especialmente o silêncio é uma forma ensurdecedora de compactuação com o absurdo.

É que quando Kaká, Ronaldo, Neymar, entre tantos outros, não correm para se manifestar sobre casos grotescos assim, como o de Daniel Alves, preferindo o silêncio gritante, existe nisso um pacto entre camaradas que não precisa ser explicitado em palavras do tipo: “olhem, eu e outros jogadores não vamos falar sobre esse assunto”. Não! O que ocorre aqui é a consequência do tal “contrato”, que já está muito enraizado em nossa sociedade, não necessitando que isso seja expresso de maneira escancarada. O contrato existe, está lá, e tragicamente perdura.

E não venham com essa de “eles estão esperando as provas concretas para, então, se manifestarem”. Quando realmente algum assunto importa para eles, até mesmo uma imagem de “não ao racismo”, como a que está estampada no perfil de Ronaldo no Instagram, é usada para dar pompas de combatente da causa. Termos como “machismo”, “sexismo”, “violência contra a mulher”, “assédio”, dentre tantos outros relacionados ao assunto, ouso dizer que não fazem parte do dicionário de muitos jogadores e ex-jogadores (não todos, é claro), especialmente aqueles que não lucram com publicidade em cima disso. Sim, caros amigos e amigas, dinheiro é fator fundamental e determinante também nessa discussão, pois é isso que transforma até o maior dos bolsonaristas em ‘esquerdistas detestáveis’, se assim os patrocinadores quiserem.

Disse anteriormente “não todos os jogadores”, pois ainda existem aqueles, como o Neto e o próprio Casagrande, que repudiam veementemente casos como o do Daniel Alves. Estes servem como pontos de luz em meio à escuridão, vale dizer. São vozes raras, mas que entendem a gravidade do assunto e que desejam levar essa discussão para dentro de campo. Imaginem vocês se Kaká, Ronaldo e Neymar tivessem a mesma rapidez e constância em criticar o estupro e as demais violências contra a mulher (não necessariamente com relação ao caso Daniel Alves), da mesma forma que foram ágeis em se unirem contra Casagrande? Talvez o mundo caminhasse para algo diferente e o nosso futebol não seria reconhecido, atualmente, como um ambiente tóxico e tomado por absurdos de todos os tipos. Com exceções, e ainda bem!

Carne banhada a ouro 24 quilates servida por Ronaldo a jogadores no Qatar. (Foto: Reprodução)

Bom, senhoras e senhores, o que esperar de uma figura como Kaká, que em suas redes sociais criticou o fato dos brasileiros não darem a importância devida aos ídolos do nosso país, mas nem ao menos esteve presente no velório de Pelé? O que falar de um Ronaldo, por exemplo, que banca a ostentação de uma carne banhada a ouro 24 quilates, no Qatar, enquanto 33 milhões de brasileiros vivem em insegurança alimentar grave? O que falar de um Neymar, que força uma expulsão em seu primeiro jogo pelo PSG depois da Copa, só para curtir o Réveillon em paz? “Neymar se viciou em sabotar a carreira dele, que loucura!”, disse uma pessoa no Twitter. Melhor definição não há, mas acrescento: o vejo como uma criança de 30 anos, que se recusa a crescer, e dispenso futebol aqui. É sobre caráter mesmo.

O futebol anda chato, e com razão. Não porque tudo é motivo de “mimimi”, como dizem os conservadores dos maus costumes, mas sim porque temos que presenciar tamanha falta de personalidade, tamanha falta de posicionamento, tamanha falta de carisma, tamanha falta de postura, tamanha falta de bom senso, tamanha falta de empatia, tudo isso e mais um tanto escancarado em condutas, no mínimo, questionáveis por parte de jogadores e ex-jogadores como estes, citados acima.

É triste quando lemos notícias de crimes como o estupro sendo cometidos por atletas de futebol. Mais triste ainda quando pessoas passam pano para criminosos e taxam a vítima de “aproveitadora”. O problema é que por conta de machistas perversos, por conta de quem passa pano, de quem prega o “dinheiro acima de tudo, e eu mesmo acima de todos”, de quem opta pelo silêncio, que Joanas, Marias, Antônias, Fernandas, Catarinas, Lucianas, Márcias e tantas outras mulheres, ainda seguem sendo consideradas “produtos”, “adornos”, “objetos”. Seguem sendo alvos do “estupro fácil”. Símbolos do sexismo de “coisas descartáveis”. Seguem sendo violentadas e brutalmente assassinadas. Não existe antônimo para o machismo, quando só quem morre é a mulher.

Mas deixa isso pra lá, né? Até que um vantajoso patrocínio venha, nada disso importa. Tudo besteira dessa sociedade “mimizenta” e “feminazi”. Aliás, quem será a próxima a ser estuprada?

Até quando aceitar tudo isso?

A ver.

*O texto não representa, necessariamente, a opinião do Portal Voz Diária.

 

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