Amigas e amigos, a aprovação pela Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) do projeto de lei que proíbe o uso de celulares em escolas públicas e privadas do estado, sem dúvida alguma reacendeu um amplo debate sobre o papel da tecnologia na educação, seus impactos no desenvolvimento dos estudantes e consequências.
A medida, proposta pela deputada Marina Helou (Rede) e apoiada por parlamentares de diferentes lados políticos, de PL a PSOL, tem como objetivo proteger a saúde mental dos jovens e reduzir desigualdades, inspirando-se em exemplos de países como França e Japão, que adotaram tais medidas.
No entanto, críticos apontam que a proibição pode negligenciar o potencial pedagógico dos dispositivos eletrônicos e limitar a autonomia das escolas.
O que dizem os favoráveis?
Diversos estudos nacionais e internacionais indicam que o uso excessivo de celulares tem prejudicado o desempenho escolar e a saúde mental dos jovens. Dados do Pisa 2022 (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) revelam que alunos brasileiros de 15 anos que passam menos de uma hora por dia no celular têm desempenho significativamente superior em matemática em comparação aos que usam o dispositivo entre cinco e sete horas diárias. Essa relação entre uso do celular e resultados acadêmicos reforça o argumento de que dispositivos eletrônicos, quando mal utilizados, podem comprometer o foco e a produtividade.
Além disso, a pesquisa do Datafolha em outubro de 2024 mostrou que 62% da população apoia a proibição do uso de celulares nas escolas para crianças e adolescentes, evidenciando um respaldo popular para a medida. Outros países, como a França, já implementaram leis semelhantes: em 2018, o governo francês proibiu o uso de celulares em escolas para alunos de até 15 anos, com o objetivo de melhorar a concentração e a interação social. O Japão também segue uma linha semelhante, limitando o uso de dispositivos móveis no ensino fundamental – ficando a critério de cada instituição proibir ou não.
Engana-se, porém, quem pensa que a aplicação de tais medidas em escolas mundo afora se deu de maneira tranquila. Na França, por exemplo, alunos resistiram a entregar seus celulares, e as escolas encontraram dificuldades logísticas para armazenar e monitorar os dispositivos. Além do mais, a falta de recursos para implementar a medida de forma eficaz foi uma preocupação constante no país. Tudo isso limitou a eficácia da proibição, sendo que os resultados de desempenho e comportamento entre os alunos são inconclusivos.
O que dizem os contrários?
Críticos da medida apontam que uma proibição completa ignora o papel pedagógico que os celulares e outras tecnologias podem ter no aprendizado. Com o uso supervisionado, dispositivos móveis oferecem acesso rápido a conteúdos educacionais, ferramentas de pesquisa e aplicativos de aprendizado. No Brasil, o estudo TIC Educação 2023, do Cetic (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação), mostrou que 64% das escolas já impõem alguma forma de restrição ao uso de celulares, sugerindo que políticas mais flexíveis e focadas no uso consciente são possíveis e viáveis.
A proibição também levanta questões sobre o tratamento desigual entre estudantes, pois escolas de elite já praticam restrições mais rígidas, enquanto instituições públicas podem ter dificuldade em implementar essas normas, como apontado pela própria deputada Helou. Além disso, especialistas alertam que a exclusão total de dispositivos eletrônicos pode desconsiderar a preparação dos estudantes para um mundo cada vez mais digital, em que habilidades tecnológicas são fundamentais.
Então, o que fazer?
Pensemos a realidade do nosso país, dos nossos colégios, dos investimentos – ou falta de investimentos – do Estado em educação e das resistências e dificuldades que os professores encontram diariamente em sala de aula. Assim como no exemplo francês, a falta de estrutura adequada para guardar e monitorar celulares pode ser um grande empecilho. Escolas particulares possuem meios e recursos para garantir o armazenamento dos aparelhos de forma segura.
Mas e as escolas públicas? Em um meio tão defasado, carente de tantas necessidades urgentes, recursos insuficientes, e com um desrespeito latente contra professores, como seria a aplicação disto? Quem o faria? Nem mesmo o projeto da deputada especifica detalhes sobre a estrutura a ser instalada nas escolas públicas, muito menos como seria a fiscalização do cumprimento da lei e a punição.
Outro ponto. Dados do IBGE indicam que, em 2023, 92,5% dos domicílios brasileiros possuíam acesso à internet. Mas isso não significa que todas as famílias possuem, especialmente as de baixa renda. Vejam só o contraste. Dados da UNICEF indicam que cerca de 4,8 milhões de crianças no Brasil não possuem acesso à internet. Outra pesquisa, da Cetic.br, revelou que a falta de computadores, celulares e acesso à internet em casa dificultou o ensino remoto para alunos de 86% das escolas do país.
Levando em consideração que em algumas escolas há acesso à internet e, consequentemente, aos materiais de apoio educacional, proibir não seria afetar, direta e desproporcionalmente, os estudantes?
E sobre a segurança e a comunicação entre o aluno e a família? Para muitos alunos, o celular é uma forma de garantir a comunicação com os pais. Em áreas onde a segurança pública é uma preocupação constante, e todos nós sabemos disso muito bem, o smartphone representa também uma sensação de segurança para as famílias. Então, como proceder com relação a isso?
Por outro lado, é fato que o celular impacta negativamente no desenvolvimento dos estudantes. Estudos apontam que quando há proibição, há melhoria na concentração e na atenção em sala de aula (estudo da London School of Economics). Há redução de casos de bullying digital (relatórios da UNESCO). Há diminuição da comparação social e da pressão (pesquisas publicadas pelo Journal of Adolescence). Há mais igualdade e respeito entre estudantes (pesquisas da American Psychological Association). Há incentivo à interação pessoal e socialização (pesquisas da Pew Research Center), algo que ultrapassa os muros das escolas e adentram as residências destes alunos, melhorando o convívio familiar. Não sou eu que estou afirmando tudo isso, são pesquisas sérias como mencionado.
Países como Austrália e Canadá adotaram abordagens híbridas, onde os celulares são permitidos para atividades pedagógicas, mas controlados fora da sala de aula. Essa perspectiva leva em consideração que a tecnologia é, sim, uma ferramenta educativa, mas reforça limites claros para evitar distrações. O problema é que estamos aquém da experiência australiana e canadense, em alguns sentidos. Aqui, a realidade é completamente diferente, especialmente nas escolas públicas.
Enquanto estudava sobre o assunto para poder escrever esta coluna, vi que há uma experiência em Campinas que deu certo. Um colégio particular proibiu a utilização dos celulares e, apesar dos alunos ficarem descontentes no começo, houve melhoras significativas quanto à relação entre os alunos, convivência, concentração e desempenho em sala de aula. No entanto, repito: uma experiência feita em âmbito particular. Ainda não há nada de material sobre a implantação no âmbito público, pelo menos não que eu saiba.
São vários benefícios, mas também existem desafios a serem considerados. O que não podemos é jogar a responsabilidade de fiscalização nas costas dos professores, por exemplo, que fazem verdadeiros malabarismos em sala de aula diariamente. Nem ao menos o projeto de lei nos ajuda a trilhar um caminho seguro, elucidativo, quanto a diversas questões.
Que é preciso fazer algo, todos nós sabemos que precisa. Eu mesmo sou favorável à proibição parcial, nos moldes híbridos da coisa. Mas que seja feito de forma consciente, ampla, equânime, ouvindo todos os lados e levando em consideração a realidade a que estamos submetidos.
É isto.