Para o azar de toda a podridão em forma humana, Marielle e Anderson seguem vivos e presentes

 Para o azar de toda a podridão em forma humana, Marielle e Anderson seguem vivos e presentes

Foto: Austral Foto/Renzo Gostoli

 

Amigas e amigos, é assustador acompanhar a arquitetura do crime no Brasil, e o caso Marielle Franco e Anderson Gomes, próximo de chegar a uma conclusão após cinco anos, está aí para provar isso. Se por um lado temos financiadores, mandantes, executores e toda espécie de criminosos capazes de absolutamente tudo para se manterem ‘no alto’ de seus interesses escusos, do outro lado temos a resposta de que ideias – ainda que o nosso corpo seja extremamente frágil – são à prova de balas e ideais de vida são imunes à toda sordidez, ao escárnio e à violência perpetrada por covardes.

Vejam só. Um grupo mafioso que age violentamente contra todos aqueles que se opõem às suas práticas criminosas. Desvio de armas de órgãos públicos de segurança. Movimentação de enorme montante de dinheiro. Provas ‘misteriosamente’ apagadas. Corrupção de todos os tipos exercidas em comunidades mais pobres, com anuência explícita ou não do poder público – e que, inclusive, lucra com as ações da máfia nessas regiões mais carentes. Troca de comando nas polícias para evitar investigação. Homenagens e vínculos empregatícios com familiares de membros de ‘escritórios do crime’, e por aí vai.

Eu sei. Tudo isso parece uma trama perfeita para um filme, mas não é. Soa até como um “Scarface”, “Poderoso Chefão”, mas não é nada disso. É o Brasil, mais ou menos como ‘Cidade de Deus’ ou ‘Tropa de Elite’ tentaram escancarar, mas muito piorado do ponto de vista das raízes profundas da criminalidade. Sem tanto ‘glamour’ hollywoodiano, e muito de uma realidade brasileira, trágica e assustadora o suficiente para deixar qualquer roteirista estrangeiro de cabelo em pé.

Marielle ousou bater de frente e pagou com a vida. Anderson Gomes, seu motorista, um trabalhador comum como você e eu, também pagou com a vida. E essa discussão em nada tem a ver com bandeira política, antes que bradem os fanáticos. Indignar-se com o absurdo não deve ser – ou não deveria ser -, algo exclusivo de espectros políticos; algo ‘de direita’ ou ‘de esquerda’. No Brasil ideal, isso deveria ser uma pauta a ser levada a sério por toda a nossa sociedade, para aí sim respondermos aos corruptos, aos criminosos, à altura; não com mais corrupção ou com mais violência, e sim com o rigor da Lei, com o peso da Justiça. Doa a quem doer.

 

Marielle Franco em conversa com eleitores no Rio de Janeiro, em 2016. (Foto: Reprodução/Facebook)

 

É que com o avanço das investigações – que ficaram praticamente paradas durante todo o governo Bolsonaro -, passa a se ter certeza de que nada ali no crime se manteve no raso dos acasos. Parece óbvio, mas devemos rememorar isso. Quem mandou matar Marielle Franco, ou tem ligação ou é alguma figura política que vê benefício próprio na barbárie. Quem mandou matar Marielle exerce suas atividades com apoio implícito de grupos milicianos – ainda que existam aqueles que deixem explícita a defesa, apoio e admiração. Quem mandou matar Marielle lucra financeiramente com o caos na segurança pública que se instalou à força no Rio de Janeiro. Quem mandou matar Marielle quis proteger seu balcão de negócios, e principalmente seu balcão de compra de votos. Quem mandou matar Marielle conhece muito bem e usou os aparatos do Estado necessários, além de ter algum nível de trânsito entre autoridades de diferentes níveis, para viabilizar e investir no crime.

Querem um vislumbre do montante de dinheiro movimentado após o assassinato? Somente o ex-bombeiro Maxwell Somões Corrêa, o “Suel” – membro de organização criminosa armada envolvida em ‘gatonet’, suspeito de envolvimento no crime contra Marielle e Anderson e que já esteve preso anteriormente por agir deliberadamente para atrapalhar as investigações – movimentou em sua conta pessoal R$ 6,4 milhões, de acordo com informações da Polícia Federal. Maxwell, como bombeiro, recebia R$ 10 mil mensais, mas morava em uma mansão em um condomínio de luxo no Recreio dos Bandeirantes, um verdadeiro templo faraônico se comparado à cela que ele passará a ocupar no presídio federal de segurança máxima de Brasília (DF). Um lar mais apropriado, diga-se.

Acontece que nenhum crime é perfeito e todos deixam rastros. Ainda que se passem vários anos, é possível que a resolução de um assassinato venha à tona. Vejam só a ironia do destino: foi o descontentamento do ex-PM Élcio Queiroz por Maxwell que desmontou o seu silêncio quase sepulcral e motivou a delação premiada.

Segundo o próprio Élcio, durante meses após o crime ‘Suel’ pagou uma mesada de pelo menos R$ 5 mil a ele, e posteriormente o valor foi sendo reduzido até deixar de ser depositado, “do nada”, há mais de um ano. Percebem? Ao que tudo indica, foi o descontentamento que motivou Élcio a delatar e entregar os comparsas, e não qualquer senso de remorso. Para ratos corruptos que não fazem outra coisa a não ser farejar dinheiro, especialmente o ilícito, a falta disto os deixa desorientados e capazes de tudo. Arredios. O tempo e o isolamento, neste caso, só agravam a abstinência.

Recomendo, até mesmo, pesquisarem o experimento com ratos conduzido pelo biólogo norte-americano Curt Richter, em 1950. Guardadas as devidas proporções, é possível aplicar o exemplo ao enquadramento aos milicianos que vem ocorrendo.

Para todos os efeitos, “follow the money”, ou ‘siga o dinheiro’. O caminho levará as autoridades ao refúgio predileto dos canalhas, ao crimes dos perversos, às covardias dos incautos, aos rastros de assassinos diretos e indiretos, assim como aos rostos verdadeiros dos mandantes.

Má notícia para toda essa espécie de podridão em forma humana: Marielle segue viva e presente, para o azar de todos aqueles aos quais as munições e o cano das armas não são suficientes para fazer calar.

É isto.

 

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