Afinal, quem é o Jornalismo?

 Afinal, quem é o Jornalismo?

Foto: Pexels

 

Quase não se lê um jornal em seu formato físico hoje em dia. Quase não se lê, nem ao menos, uma matéria inteira em formato digital. Nos tempos modernos, a sensação que se tem é que para manter-se ‘bem informado’, basta a leitura do título, ficando à critério do ‘meio leitor’, sua ‘meia interpretação’. É o que certamente deve bradar aquele que ora se equilibra na defesa de sua profissão – que já não é o que foi -, ora busca respostas numa espécie de reflexão, numa autocrítica impiedosa, que viabilize e justifique a sua argumentação.

Ah, o Jornalismo e suas reinvenções! Pega desprevenido todo mundo, inclusive aqueles mais modernos entre os modernos. No mundo atual, em que absolutamente tudo passa por uma reinvenção mais dinâmica, os tempos são tão críticos, mas tão críticos, que a própria criticidade passa por uma reinvenção mais drástica. É por tanto ser assim, que se abre uma brecha perigosa de ir moldando-se a qualquer coisa, e quem se molda a qualquer coisa, certamente se machucará com uma tal crise de identidade – que vem, e quando vem, avassala.

É claro que o Jornalismo olha para o espelho e não se enxerga. E não o culpo. Hoje em dia, é difícil até observar a própria imagem diante do espelho; e quando o fazemos, saímos com algumas doses cavalares de questões existenciais. O Eu às 7h da manhã não é o mesmo Eu pouco antes do almoço, que por sua vez em nada se parece com o Eu antes da hora do jantar; e quando amanhece um novo dia, fazemos adormecer todos aqueles que nós fomos. Em síntese, todos os dias morremos para, num tal amanhã, renascermos diferentes, porém sempre os mesmos iguais. Estou mentindo? A rapidez com que tudo isso acontece vai mais depressa do que um cigarro que tão logo é aceso, tão logo se esvai por entre os dedos em forma de fumaça.

A liquidez da vida moderna não está nas palavras do Jornalismo, mas na sociologia de Baumann, o que ajuda a compreender em partes a liquidez do próprio fazer jornalístico moderno. “Os tempos são líquidos porque, assim como a água, tudo muda muito rapidamente. Na sociedade contemporânea, nada é feito para durar”, disse o polonês. O próprio conflito de identidade narcísica do Jornalismo com relação a si mesmo, nem ele mesmo explicou, mas explicaram a ele, e está lá em Freud: “o narcisismo das pequenas diferenças é a obsessão por diferenciar-se daquilo que resulta mais familiar e parecido”.

 

Foto: Ann H/Pexels

É que de tanto relatar o que ocorre no mundo exterior, o Jornalismo parece nunca ter sido ensinado sobre a capacidade de relatar-se. Nunca foi ensinado a se observar. Nunca foi convidado ou convencido a refletir mais a fundo sobre a sua existência – a existência real – diante dos pesos e dores do mundo. Nunca disseram a ele que para se observar melhor diante das águas, é necessário esperar o tempo que for preciso para que elas, enfim, fiquem calmas. Nunca encontrou-se no divã e, portanto, se acha no direito de apontar para os demais para culpá-los pelos problemas que ele próprio causou a si. E que me perdoem aqueles que tentaram alertar para tudo isso.

O Jornalismo vive num dilema: o de não ser mais o que um dia foi, e não ter a mínima ideia do que fazer naquele mundo que, porventura, for empurrado goela abaixo. Hoje, ele somente existe e perambula por aí. Hoje, até mesmo os incautos, os pretensiosos, os ignorantes, os perversos, compreenderam que para destruir a reputação do Jornalismo, não se deve enfrentá-lo, e sim vestir as mesmas roupas e se sentir confortável o suficiente para poder falsear a impressão aos demais de ser ele – o pior, o incorreto e nada ético -, o porta-voz das melhores, mais corretas e mais éticas condutas profissionais, seja lá o que signifique isso. Percebem a enrascada?

Se o Jornalismo “é o dedo indicador da humanidade”, como propôs Voltaire, para onde ele está apontando no momento? Aliás, por qual motivo ainda teima em apontar para os demais? Por ora, não deveríamos estar preocupados com o movimento oposto ao do indicador? Não seria melhor deixar de erguer o braço para apontar? E ainda que o fizéssemos, não seria melhor com o dedo polegar, direcionado a nós mesmos?

Não culpo aquele que está descontente. Que defende o Jornalismo no mesmo tanto que instiga os colegas à autocrítica. Ele está correto em suas colocações. É justo e necessário que pensamentos assim existam e se multipliquem, como anticorpos que combatem os mais variados males. É que, ainda assim, a crise de identidade que se abateu sobre a profissão é tão profunda, que ele próprio pode tornar-se o que jurou combater, tamanha a confusão entre todos aqueles que, hoje, dizem exercer a profissão – mesmo que não faça ideia do que isso seja ou represente. E não quero, com isso, desanimá-lo; pelo contrário, quero encorajar por meio de outro remédio, que é o da advertência como prevenção.

É claro que isso não se aplica ao todo, e estaria sendo injusto com aqueles que exercem o Jornalismo por amor e com total responsabilidade. São cada vez mais raros, mas existem e resistem. São poucos, mas engrandecem e atinam o cenário. Porém, não evita-se a pergunta mais importante disso tudo, e que talvez nem mesmo as tais inteligências artificiais possam responder com exatidão…

Afinal, quem é o Jornalismo?

 

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