Em nome da governabilidade não se deve sacrificar a saúde da nossa Democracia, já tão combalida pelo retrocesso

 Em nome da governabilidade não se deve sacrificar a saúde da nossa Democracia, já tão combalida pelo retrocesso

Foto: Divulgação

 

Quem acompanha o cenário político nacional, certamente deve ter esbarrado nos últimos dias com o fato do União Brasil (UB) ter declarado independência no Congresso, apesar do partido ser um dos mais contemplados no governo Lula, com três ministérios. Atente-se ao fato dessas indicações aos cargos serem, no mínimo, questionáveis, a começar pela atual ministra do Turismo, Daniela Carneiro (União Brasil), envolvida em episódios controversos.

Para quem não acompanhou as notícias recentes, Daniela Carneiro vem sendo acusada, juntamente com o seu marido, de manter há ao menos quatro anos, vínculos com a família de Juracy Alves Prudêncio, o Jura, um ex-sargento da Polícia Militar condenado e preso sob a acusação de chefiar uma milícia e apontado como responsável por assassinatos cometidos na Baixada Fluminense. Não obstante, o portal UOL também revelou, a partir de informações do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), que a irmã da ministra, Djelany Machado, teria sido presenteada com um automóvel (Toyota Corolla) por um empresário que saiu vitorioso de uma licitação suspeita, caso esse que teria ocorrido em 2018, na cidade de Belford Roxo (RJ). Belford Roxo, aliás, é comandada por Wagner dos Santos, o Waguinho, também do União Brasil — lembrando que ele é marido da ministra, que por sua vez é conhecida como “Daniela do Waguinho”.

Fato é que o casal apoiou Lula durante toda a campanha eleitoral naquela região de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, mesmo com o expressivo resultado de Jair Bolsonaro (PL) em todos os municípios cariocas. O que isso quer dizer? Ora, quer dizer que a política não vive somente de apostas, e sim (também) de interesses, e o voto é peça fundamental dessa questão toda.

Lula é um notável astuto da política e sabe que precisa ter governabilidade. Para isso, necessita do apoio de diversas forças, de diferentes campos ideológicos, quer ele tenha apreço ou não por estes. O União Brasil passa por essa equação, visto que possui 59 deputados federais eleitos e deve ter outros dez senadores, o que simboliza evidente força política do partido e, evidentemente, alguns votinhos a mais para o governo petista.

 

Ministra do Turismo, Daniela Carneiro, ao lado de miliciano condenado por homicídio em 2018. (Foto: Reprodução/TV Globo)

O que não é aceitável em hipótese nenhuma, no entanto, é que Lula, que tanto combateu em seu discurso as milícias, durante a campanha eleitoral, tenha sob as suas asas alguém como Daniela Carneiro, que mal assume como ministra e, juntamente a ela, emergem suas supostas ligações com o crime. Se contar com votos favoráveis do União Brasil simbolizam força política, Lula precisa estar atento ao fato de haver total simbolismo, também, em abrigar figuras como essa, que podem manchar a sua imagem e a de seu governo — um prato cheio para a extrema-direita bolsonarista, sedenta por ver seu discurso voltar à tona, em meio a uma já muito conhecida propaganda de “terra arrasada” promovida pelos tais “comunistas”. E olhem que 2026 é logo ali, viu?

Ademais, reparem os discursos a seguir. “O que for ruim para o Brasil e bom para o PT, a gente vota contra”, afirmou em uma entrevista o líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA). “Procurei a direção União Brasil e expliquei minha posição. Tenho minhas posições políticas e também represento um estado em que maioria dos eleitores são de direita. Vou manter minha posição [de independência]”, disse outro deputado, Zacharias Calil (GO).

O que isso isso significa? Significa que Luciano Bivar, presidente do partido, teve que mover as suas peças para convocar uma reunião com deputados e senadores, a ocorrer ainda no início de fevereiro, para debater se o União Brasil estará ou não com a base petista, em visível descontentamento ideológico interno. O que significa isso para Lula? Algumas coisas, mas a mais importante: a possibilidade de ter que mudar seus ministros em curto espaço de tempo. Quão favorável isso é — e novamente repito — à imagem do atual governo? Cabe discussão a respeito.

Não vou nem citar o fato de o governo ter dado o Ministério das Comunicações para Juscelino Filho (União-MA), um notório apoiador de Jair Bolsonaro, alguém que compôs sua base parlamentar e sempre esteve envolvido em episódios ideologicamente opostos ao de Lula e ao Partido dos Trabalhadores (PT). Não preciso nem apontar os motivos que fazem dessa uma decisão amplamente errônea.

Dirijo-me aos eleitores petistas ou para aqueles que votaram em Lula por oposição à política de Bolsonaro: cobrem, e cobrem muito as ações do atual governo. É inadmissível que pessoas com históricos questionáveis, como de Daniela Carneiro e/ou Juscelino Filho, ocupem cargos de expressividade com a pretensão da tal “governabilidade”. O melhor método para acabar com um problema que pode vir a se tornar crônico — e sabemos que são muitos os que esbanjam vitalidade a partir do padecimento de outrem —, é agir para que o mal seja cortado pela raiz. Impossível aceitar que tantos nomes bons, como o de Silvio Almeida e Sônia Guajajara, sejam colocados ao lado de pessoas como essas, ainda que façamos o exercício de saber dividir muito bem as coisas. Há quem não o faça.

Aceita-se muito na Democracia, mas não tudo.

E é isto.

 

*O texto não representa, necessariamente, a opinião do Portal Voz Diária. Atualizado às 17h15.

 

Outras postagens