Afinal, o que o ‘deus mercado’ quer? Spoiler: o cinema ajuda a explicar

Imagem: Reprodução
Se fosse possível nomear esse novo capítulo que se iniciou no Brasil, sobre o mercado reagindo negativamente às falas do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), certamente “O Império Contra-Ataca” cairia como uma luva. Com uma pequena adaptação: “O Mercado Contra-Ataca”, talvez assim fique melhor. É nessa referência ao cinema que abro uma discussão: afinal, o que o ‘deus mercado’ quer?
O aclamado filme de 1980 – que considero o melhor da franquia Star Wars, por sinal –, é dono de uma das cenas mais memoráveis do cinema, em que o vilão Darth Vader confronta Luke Skywalker. Entre os diálogos que acontecem a partir desse encontro, Vader tenta seduzir Luke para o lado sombrio, dizendo que uma parceria entre os dois colocaria fim à guerra. “Com nossas forças, podemos terminar este conflito nefasto e por ordem na galáxia”, diz Vader, ao que Luke contesta: “nunca irei me juntar a você”.
A cena ainda ficaria mais dramática, com o emblemático vilão revelando a Luke que, na verdade, ele era o seu pai, para a lamentação do mocinho do filme. A cena levou e ainda leva êxtase aos fãs da série ao redor do mundo. Mas vamos deixar o lado ‘nerd’ e passar para o plano real da coisa, em que a vida parece imitar a arte, ou a arte imitar a vida; a filosofia disso deixo a critério do leitor(a).
O mau humor do ‘deus mercado’ ocorreu após Lula, em discurso no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) em Brasília, local sede da comissão de transição de governo, defender que é preciso colocar a questão social à frente de temas que, segundo o presidente eleito, interessam somente ao mercado financeiro. Entre a equipe de transição, existe a possibilidade de retirar as despesas do Auxílio Brasil do teto de gastos, de forma permanente. Foi esse também um dos estopins.
“Por que as pessoas são levadas a sofrerem por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal desse País? Por que toda hora as pessoas falam que é preciso cortar gastos, que é preciso fazer superávit, que é preciso fazer teto de gastos? Por que as mesmas pessoas que discutem teto de gastos com seriedade não discutem a questão social neste País?”, disse Lula.
A fala de Lula foi vista como algo tão ameaçador ao ‘deus mercado’, que rapidamente a ‘Faria Lima’ tratou de empunhar seu sabre de luz e se colocou em posição de ataque (e olha que eu havia dito que deixaria o lado ‘nerd’ de lado). Neste clima belicoso, no entanto, pareceu faltar tato e clareza política à ‘Faria Lima’, no mesmo tanto que faltou mais seriedade de Lula em seu ‘react’ ao ‘react’: “O mercado fica nervoso à toa. Eu nunca vi um mercado tão sensível como o nosso”. Tal declaração não contribui em nada para apaziguar os ânimos, verdade seja dita.
Porém, Lula falou para os seus. Ele, durante o evento no CCBB, estava conversando com o seu eleitorado, e não com o mercado. Imaginem só se a cada declaração do presidente eleito sobre a fome, sobre a miséria, sobre a questão social – agendas principais e históricas de Lula –, forem motivo de reações negativas por parte do sistema financeiro, com constantes altas no dólar e queda da Ibovespa? Como diria Gil do Vigor: “o Brasil tá lascado”. E estaria lascado mesmo.
Vale dizer, sobretudo, que a reação do ‘deus mercado’ durante os quatro anos de governo do até então presidente da República, Jair Messias Bolsonaro (PL), não gerou a mesma ira, a mesma reação, obviamente por que ambos jogam no mesmo lado. Vale lembrar que, segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), atrelada ao Senado Federal, Bolsonaro furou o teto de gastos cinco vezes durante o seu governo, o que gerou um impacto fiscal de R$ 236,5 bilhões em relação ao original da regra. Mas isso claramente não servirá de argumento a ser considerado pelo ‘deus mercado’, nem pelo ‘patriota do caminhão’ (que aqui aparece também em um caça, em imagem produzida pela próspera IBM (Indústria Brasileira de Memes), muito menos para as pessoas que fecharam um círculo ao redor de um pneu e cantaram o Hino Nacional.
O que a ‘Faria Lima’ parece desconhecer, ou não querer rememorar – e aqui retorno inevitavelmente a Star Wars -, é que Lula não terminará essa cena como Luke, que renega Vader naquele momento e recusa o seu pedido para integrar o lado sombrio. Em seus governos anteriores, entre o período de 2003 e 2011, o petista entregou tudo o que o mercado quis e mais um pouco – para o profundo desespero argumentativo de certos golpistas que, não conseguindo refutar o argumento, apelam em chamá-lo de “comunista”, seja lá o que for isso na cabeça deles.
Nessa história toda, que poderia render um roteiro excelente para o cinema, Lula não é mocinho e nem vilão. Ele precisa do ‘deus mercado’ tanto quanto precisa do social para continuar a fazer a política que sabe fazer. Já a ‘Faria Lima’ precisa recuar em seu mau humor e em sua destemperança caso queira ver alguma mágica do sucesso acontecer.
No final de ‘Star Wars – O Retorno de Jedi’, filme que encerra a trilogia clássica, Luke perdoa Vader em uma cena, no mínimo, emocionante. Perdão aos desavisados pelo spoiler, tá? Mas cabe aqui algumas perguntas, para essa terceira temporada de governo Lula. Será que o petista vai perdoar o mercado, e vice-versa? Será que teremos paz na galáxia? Será que ricos e pobres serão contemplados no mesmo tanto? Haverá a participação especial de Palpatine? Não sabemos as respostas, mas mesmo assim garantam já os seus ingressos na pré-venda. A estreia para esse “Episódio III” está marcada para 1º de janeiro. Nos vemos lá.